Moda, cinema e suas conexões
A cargo da caracterização dos personagens dos filmes, os figurinistas são os cocriadores das imagens mais impactantes do nosso imaginário coletivo
Há uma relação de reciprocidade entre moda e cinema: ambos são midiáticos. Trata-se de duas indústrias que mexem com a sensibilidade das pessoas, além de gerarem empregos, estimularem o turismo e promoverem entretenimento, cuja influência mútua podemos ver quando expandimos nosso entendimento sobre moda como produção cultural de uma sociedade.
Esse vínculo remonta aos primórdios da sétima arte, no início do século passado, quando os trajes desfilados por ícones como Greta Garbo, Liz Taylor, ou Marlene Dietrich nas telonas hollywoodianas passaram a ditar moda e a funcionar como difusores da cultura norte-americana para o restante do mundo, uma estratégia de comunicação bem-sucedida resultante de parcerias entre figurinistas, estilistas e estrelas do cinema.
Edith Head – lenda da época de ouro de Hollywood
Tendo iniciado sua carreira nos anos 1920, Edith Head é até hoje a figurinista que mais ganhou Oscars na história, com 8 prêmios e 35 indicações. Entre seus trabalhos, destacam-se a parceria com Alfred Hichcock nos filmes “Janela Indiscreta” (1954), “Um corpo que cai”, (1958) e “Os Pássaros” (1963), além dos figurinos de Audrey Hepburn em “Bonequinha de Luxo” (1961) e “Cinderela em Paris” (1957), produzidos por Givenchy.
Segundo Jacques Aumont, o cinema “pensa”, ou seja, inventa histórias, técnicas narrativas, representações humanas, formas de corpos e explora o limite da experimentação e sentimentos. Os personagens que o cinema nos apresenta são muitas vezes releituras de mitos, como as divas citadas acima, que demarcam seu espaço no nosso imaginário por meio da construção de estilo, utilizando-se para tanto de maquiagem, roupa, acessórios e penteado.
Essa linguagem visual do personagem, idealizada pelo figurinista, é por si só narrativa arquetípica, servindo muitas vezes como ponto de partida para os atores em seu processo criativo e, portanto, um mecanismo de produção de sentido na telona.
Quem não se lembra dos tempos áureos da Carmen Miranda no cinema? A artista iniciou sua carreira no rádio e nas chanchadas para, por meio da apropriação de códigos afro-brasileiros como o samba e vestimentas das baianas, se lançar no mercado internacional como ícone da brasilidade carnavalesca, um dos principais símbolos de aproximação dos Estados Unidos com o nosso país no período entre guerras.
Nos anos 1960, a irreverência de James Dean era imortalizada no longa Juventude Transviada, sintetizando no topete do penteado pompadour, t-shirt branca (peça do underwear naquela época), e calça jeans à imagem juvenil que norteia a criação de moda até os dias atuais.
Essa época é, inclusive, o marco da aproximação das grifes do mercado adolescente, rompendo com a persona mais madura em voga até então para beber do modernismo e, assim, na década seguinte, se jogar na psicodelia e no futurismo instigados pelo movimento hippie e a corrida espacial.
Por aqui, em plena ditadura militar, a década de 1960 marcava o florescimento do Cinema Novo, inspirado no Neorrealismo italiano e na Nouvelle Vague francesa, com a intenção de se descolar das fórmulas hollywoodianas e se aproximar da realidade brasileira, cuja “estética da fome”, termo cunhado pelo cineasta Glauber Rocha, expoente do movimento à frente de obras-primas como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em Transe (1967), caracterizou as produções do período, deixando um legado imagético inegável para o cinema brasileiro até os dias de hoje.
Paralelo ao Cinema Novo, surgia o Cinema Marginal ou Udigrúdi, uma derivação do termo underground, cuja subversão do protagonismo de personagens marginalizados e enfoque nos tabus sociais rendeu-lhe a alcunha de “estética do lixo” pela crítica da época, como vemos nos clássicos O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e Matou a Família e Foi ao Cinema (1969), de Júlio Bressane.
Mais adiante, na década de 90, temos o movimento de retomada, em que produções como O Quatrilho (1995), Carlota Joaquina (1995), e Tieta (1996), que ganharam projeção internacional e prepararam terreno para blockbusters como Cidade de Deus (2002), Carandiru (2003) e Tropa de Elite (2007). Também vale lembrar do filme À Deriva (2006), cujo figurino é assinado por Alexandre Herchcovich, expoente dessa geração da moda brasileira.
É interessante como, tal qual uma via de mão-dupla, moda e cinema tem se oxigenado continuamente no século 21. Do mesmo modo que narrativas como Sex and the City (2008), Avatar (2009), Alice no País das Maravilhas (2010) e Pantera Negra (2018) influenciaram os lançamentos de moda das temporadas seguintes, o meio fashion também serviu de inspiração para a sétima arte, como nos filmes O Diabo Veste Prada (2006), Coco Chanel (2009), Zuzu Angel (2006) e Saint Laurent (2014).
Ainda que, no nosso país, as novelas sejam historicamente as responsáveis por disseminar novos códigos vestimentares para a população, vale a pena prestar atenção nas produções nacionais contemporâneas como Boi Neon (2016) Bacurau (2019) e Vida Invisível (2019), além das séries criadas para o streaming, que devem se tornar as futuras protagonistas no consumo de audiovisual no nosso mercado nos próximos anos, como 3% e Boca a Boca, influenciando a construção de estilo da nossa geração:
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